sexta-feira, 6 de março de 2009

O silêncio personagem



Por Rodrigo Monteiro



Já faz um século que os atores quebram a quarta parede, se abrindo para o público no sentido de incluí-lo quase fisicamente no palco. Significa estender o palco para além das poltronas, ir para a platéia. Em Porto Alegre, é bem difícil lembrar de uma produção que não faça isso. Sonho de uma noite de verão, Bailei na Curva e Pílulas de Vatapá são alguns poucos exemplos de produções que mantém o público no lugar de público, os atores onde a história é exposta. Taís Ferreira e Thiago Colombo não quebram a quarta parede em “Platero e Eu”. Nós o fazemos.O silêncio.O silêncio é um personagem, mas eu já não saberia dizer se do que acontece no palco ou se do que não acontece na platéia.No palco, Taís corporifica os poemas de Juan Ramón Jimenez (1881 – 1959), bailando ao construir imagens, pulsando ao sustentar movimentos. Com uma voz grave, mas um corpo tecnicamente ensaiado, a atriz faz ver o que vê: o campo, o burro Platero, a vila, os personagens. Veste verde e contrasta com vermelho (Raquel Capelletto), como uma macieira carregada, um gramado florido, um quadro bucólico de quem pintou a elegia mais famosa deste importante escritor andaluz. Colombo traz a sonoridade de Mario Castelnuovo-Tedesco (professor de quem fez Victor ou Vitoria (Henry Mancini) e Simplismente Millie (Bernstein)) que nos coloca naquele lugar onde, talvez, sempre cosmopolitas, nunca estivemos: uma varanda iluminada por um lampião a ouvir grilos e causos enquanto se fuma um bom palheiro. Voz e Violão ocupam seu espaço que não é o todo, como também se comporta a luz de Fernando Ochoa num dos trabalhos mais bonitos que eu vi nesse verão porto-alegrense. Com cores e focos, Ochoa valoriza a escuridão. Com ritmo e vibração, atriz e músico valorizam o silêncio.Na platéia, a paz se instala. O sono quer entrar, embora não tenha recebido convite. O sono estabelece o sonho e é de sonho que vive a ação de “Platero e Eu”. O sonho de um louco a conversar com um burro, a ler para esse burro, a viver com ele. De visitar paisagens, de ouvir a filha do carvoeiro a cantar para irmão, de ver as crianças vestidas em fantasias de carnaval. Um sonho feito de muitos, sem ligação um com o outro. Um sonho de silêncios, sem interrogações. Não queremos saber o que vai acontecer, apenas estamos ali. A coisa acontece. A platéia não reage porque sua reação é a não-reação. “Platero e Eu” é um espetáculo de se contemplar, como uma cachoeira que dá gosto de olhar, mesmo que o cair d’àgua seja o mesmo de manhã até a noite e o dia seguinte. Nossos movimentos levemente barulhentos nas poltronas do Câmara ofendem o silêncio. O silêncio nosso que quebra a quarta parede e invade o palco, torna platéia o tablado, torna assistência aqueles que só queriam ser atores. É de se ver o Platero trotando e trotando e trotando na sua vida de trotar e nada mais.É pelo silêncio que reconhecemos as sílabas. É por ele que as palavras se formam e a poesia, tão bem vinda, abandona a literatura e vira corpo, teatro, primeira e quarta parede, tablado e poltrona, luz e sombra. Silêncio.

Um comentário:

Rodrigo Monteiro disse...

own. valeu pelo espaço, taís! eu botei o teu blog na lista de blogs do teatropoa.

abraços e parabéns!